segunda-feira, 29 de março de 2010

Eu, atriz

No ensino fundamental sempre apresentávamos uma peça de teatro por ano. Nós decidíamos a história e montávamos tudo, o professor ficava sempre conosco mas não interferia muito em nossas escolhas. E foi por esse respeito às nossas escolhas que, na quarta série, montamos uma peça sobre a máfia em Detroit. Não sei por que encasquetamos com Detroit e muito menos com gângsters, mas em nosso enredo havia morte, intriga e brigas de gangs rivais. Tínhamos apenas 10 anos.

A história era basicamente assim: uma gang de mafiosos formada pelos três meninos mais gatinhos da turma entrava num banco, assaltava e dava tiro ni gerau. Corpos caídos no chão, entrava uma anja que assobiava chamando todas as almas para irem com ela. De repente, três gangsters femininas entravam no banco, querendo assaltá-lo, e veem que já haviam feito aquele serviço antes delas. Obviamente a gang de mafiosas era formada pelas meninas mais gatinhas da turma. Mafiosas ficam com raivinha, dão piti e vão atrás dos mafiosos. Eles se encontram, rola um grande embate mas, quem diria, também rola tesão, sedução e libido no ar. As 3 se apaixonam pelos 3 e vice-versa, sem nenhum tipo de disputa ou mal-entendido ("mas EU vi o fulano PRIMEIRO!" ou "você não vai ficar com sicrano porque eu quero ficar com ele!"), provando que podíamos ser modernosos e vanguardistas por falar em máfia aos 10 anos, mas não sabíamos nada da realidade. Final feliz, uma nova gang se forma, agora com os 3 casais de pombinhos a arrulhar enquanto cometiam crimes.

Vocês devem estar curiosos pra saber que papel eu fazia. Não, não era de uma gangster gatinha porque eu não era exatamente gatinha naquela idade. Era bonitinha, mas não o suficiente para ser uma mafiosa recém saída das fraldas e ainda impúbere. Eu era o anjinho que entrava, assobiava e levava as almas. O grande detalhe desse meu grande papel é que eu não sabia assobiar, nunca soube. Então eu entrava, saltitandinha nas pontas dos pés, fazia aquele sinal de assobio com os dedos e um menino, de dentro da coxia, assobiava por mim. Grandes momentos do teatro infantil, viu. Mas não foi esse meu momento mais constrangedor e nem foi aí que eu percebi que talvez não me encaixasse nos padrões impostos pela nossa sociedade capitalista e cruel.

Dois anos antes, quando eu era uma petiz de 8 anos, paguei o mico maior na frente não só da escola toda, como também dos pais. O professor de artes, espertinho que ele só, chegou um dia na aula com cartolinas e disse: "pessoal, pensem em algum animal, desenhem a cara desse animal na cartolina e recortem como se fosse uma máscara". Legal! 90% das meninas fizeram gatinhas. 5% fizeram passarinhas, com biquinhos lindos. 4,99% fizeram algum outro animal, sempre algo fofo. A porcentagem restante corresponde a mim. Que fiz máscara de... Vaca malhada. Tudo estaria bem, não fosse o fato do professor nos comunicar que teríamos que montar uma história a partir das máscaras produzidas. E foi assim que, numa feira cultural, aberta a alunos e familiares, eu adentrei o palco com uma máscara de vaca malhada. Mugindo.

Muitos anos depois fiz teatro na escola de inglês. A essa altura do campeonato eu já era essa pessoa com senso de humor tosco. Nem tinha como ser diferente: vaca que mugia na frente da escola e anjinha com assobio dublado. Eu tinha que ter aprendido a rir de tudo e todos, inclusive de mim. E aí tínhamos aulas de teatro em inglês e tudo era muito legal e divertido. Mas... O professor dava umas viajadas na maionese e fazia exercícios de teatro mesmo com a gente. Aqueles lances de ser uma sementinha, crescer na terra, nascer do solo, se tornar uma bela árvore. E você tendo que representar isso de olhos fechados. Fechei os olhos por uns 5 segundos, até que resolvi abrir um só, pra checar a performance de árvore do pessoal. Foi o fim de minha carreira como atriz famosa de teatro. Porque eu abri um olho e vi todo aquele povo, jovens e senhores, deitados no chão, se contorcendo pra ser semente nascendo, depois eles se espreguiçavam e eram mudinhas de árvore crescendo. Não aguentei, saí correndo e fui gargalhar no banheiro. Não nasci pra essas viagens, não nasci pra essa coisa de ser intenso e sentir tudo que está à volta com seriedade e amor no coração. Eu nasci pra rir, mesmo. De mim, dos outros, de tudo.

Lembrei de tudo isso depois de ver um grupo de crianças atuando Scarface no teatrinho da escola. Não quero julgar aqui se foi ou não apropriado o professor deixá-los encenar isso. O fato é que eu já fiz parte de uma peça de mafiosos, aos 10 anos de idade. E o outro fato é que crianças trocando "motherfucker" por "motherfudger" é quase genial.



(favor atentar para as câmeras de segurança, para o esforço do menino em fazer o estilão do Tony e para a professora empurrando o menino pra entrar no palco. E antes que alguém fique horrorizado, crianças indo ao Gugu pra imitar Carla Perez é mais horrorizante ainda)

2 comentários:

Fernanda disse...

MORRI com esse vídeo! MOR-RI!!!!

hahahahahahhaha

Rafael P disse...

Mto bom o texto.
Tb não sirvo para ser "sementinha nascendo".