domingo, 23 de agosto de 2009

Leito de morte

Quando minha avó morreu ela levou com ela muitas coisas e, uma delas, certamente, foi a união e harmonia familiares. Depois dela tudo meio que desandou. Parte da família foi prum lado, filho se estranhou com pai, que casou de novo com uma mulher que é o oposto de tudo que minha avó era. Minha avó partiu e nada foi como antes. Sei disso há alguns anos, mas isso está mais evidente agora, vinte anos depois da morte dela. Meu avô está morrendo e, ao mesmo tempo que levará com ele muitas coisas, deixará por aqui a certeza de que construir relações, perdoar e amar de coração não são o forte da família que ele construiu.

E eu choro não só pelo meu avô, por vê-lo irreconhecível numa cama de hospital, incapaz de conseguir, à beira da morte, a visita de um de seus filhos; como também por ter a certeza de que a ideia de família que um dia possa ter existido com certeza se irá com ele. Choro pela minha mãe, choro pelos meus tios, choro por mim. Choro pelo que nos tornamos e deixamo-nos tornar. É na doença que se reforça o que já existe e que se revela aquilo que não sabemos sobre as pessoas. O Alzheimer atinge a família toda. Vê-se a bondade e compaixão, mas vê-se também a mesquinhez. As relações fortes se intensificam ao passo que as fragilizadas ficam por um triz. Por um triz está meu avô, assim como a família que eu vi nascer depois da morte da minha avó.

E dói a inconsciência dele. A ignorância da esposa dele. Dói meu coração ao ver que minha relação com minha mãe se mantém no silêncio. Numa família que se baseou sempre no espiritismo, é incompreensível ouvir alfinetadas com relação às minhas atitudes com relação à ela, sendo que ninguém ali sabe a verdade sobre meu passado. Eu guardo comigo a história. E ouço indiretas minutos antes de entrar na UTI pra ver meu avô, provavelmente pela última vez. Quanta sensibilidade.

Estou triste.